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Apesar de pouco conhecida pelo público geral brasileiro, Rosalía de Castro foi a autora galega mais estudada e publicada, e sua popularidade na Espanha se equipara somente à de Federico Garcia Lorca, que inclusive lhe dedicou seis poemas em galego. Por ter produzido nos dois idiomas foi objeto de estudo tanto da historiografia literária galega quanto da castelhana.

Sua produção representa um marco pois impulsionou o renascimento de uma língua que durante séculos não se expressava na modalidade escrita. Foi pioneira ao dar destaque à cultura popular de sua região e ao idioma galego, de raízes muito comuns com o português, à época considerado um dialeto inculto, e posteriormente banido pela ditadura franquista. Aderiu à cultura popular, recuperando trechos de cantigas tradicionais, se utilizando de ritmos próprios dos bailes camponeses e fazendo numerosas referências a festas, lendas, superstições e crendices populares. Seu livro de poemas "Cantares Galegos" é considerado a principal (senão a primeira) publicação no idioma. A data de sua publicação original, 17 de maio, se tornou o Dia das Letras Galegas.

SOBRE A AUTORA

 

Filha ilegítima de um padre com uma nobre, era “resultado dum amor sacrílego”, “Um espírito mau, algum demónio lhe presidiu o nascimento”. Pouco se sabe sobre sua infância. Aos cinco anos se muda junto com a mãe para a localidade de Padrón (La Coruña).

Sua adolescência foi marcada por uma profunda crise de vida após a descoberta de sua condição de filha ilegítima e por uma delicada saúde que jamais melhorou. Começou a escrever aos 12 anos de idade. Aos 18 foi pela primeira vez  para Madrid, para onde se mudou aos 20 e publicou seu primeiro poemário, ainda em castelhano, e se casou com Manuel Murguia, importante historiador, criador da Real Academia Galega e considerado um destacado impulsor do Ressurgimento junto à esposa. Incentivou muito sua carreira de escritora, apesar da relação conturbada e distante, já que ele viajava muito e não escondia sua relação com amantes por onde passava. 

 

A vida de casada foi uma série contingente de mudanças de residência, devidas à incerteza dos empregos de Manuel: um lar instável e uma saúde cada vez mais precária, com apertos econômicos, sete partos e seis filhos, um deles morto na primeira infância, num trágico acidente. Viveram em Madrid, Compostela, Simancas, Corunha, Vigo, Lugo, e, finalmente, Padrón.

 

Pouco antes de morrer, pediu à filha Alexandra que queimasse seus manuscritos, fato que a menina acatou, infelizmente, destruindo uma novela inédita e outras obras. Manuel ainda queimou suas últimas cartas, num ato violento de apagamento e cujas razões são controversas.

 

A vida de Rosalía é uma história fascinante, cheia de interesse histórico, cultural e intelectual.

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PRODUÇÃO ROSALIANA

A produção rosaliana iniciou timidamente em 1857 com um livro de poesias em castelhano, intitulado “La Flor”. A autora publicou ainda os romances em castelhano ”La Hija del Mar, de 1859, e “Flavio”, de 1861. Em 1863, publicou “A mi madre”, uma breve coleção de poemas castelhanos e "Cantares Galegos", obra em galego que a consagraria. Rosalia escreveu também a obra em prosa castelhana “El Cadiceño” e “Ruinas”, de 1866, “El Caballero de las Botas Azules”, de 1867 e “El Primer Loco”, de 1881. Em galego realizou “Conto Galego”, relato curto de publicação póstuma.

 

A ênfase dada pela crítica galega a obra rosaliana recai sobre sua produção poética. “Cantares Gallegos” é seguido por “Follas Novas” escrita em galego na década de 70 e publicado em 80. Em 84, um ano antes de sua morte, foi publicado seu último livro de poemas, “Las Orillas del Sar”, em castelhano.

A obra de Rosalía, que se move entre uma preocupação social pelas duras condições dos pescadores e camponeses galegos e outra de caráter metafísico que a situa dentro da literatura existencial, tem-se equiparado à de Gustavo Adolfo Bécquer como tardia do Romantismo espanhol.

 

Sua poesia denota ansiedade, uma inquietude angustiada ante estranhos pressentimentos que se percebem como próprios. Assim mesmo, sua dolorosa sensibilidade projetou um conjunto de magníficas visões da paisagem galega em que predomina uma atmosfera cinzenta de tristeza indefinível. Foi essa sensibilidade que transportou uma concepção da natureza como a de uma realidade animada, misteriosa, e cujos signos más visíveis falam de uma vida dolorosa.

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ROSALIA DE CASTRO
FOLLAS NOVAS
CANTARES GALEGOS
EN LAS ORILLAS DEL SAR
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ROSALIA DE CASTRO

Além disso, em suas cartas e alguns artigos publicados em periódicos, Rosalía se mostrou uma feminista, uma das primeiras de seu país e considerada a primeira da Galiza. Segundo María Xosé Queizán, escritora, catedrática de língua e literatura galega e figura relevante do movimento feminista na Espanha, “Rosalía parece fazer um chamamento às mulheres para que sejam sujeitas de si mesmas, sejam livres e independentes e não escravas”. 

 

Denunciou costumes machistas da Comunidade Autônoma, o peso que o êxodo dos homens para regiões metropolitanas deixava sobre as mulheres (sendo uma região genuinamente migratória, a saída dos homens alterava o tecido social, especialmente o comportamento das mulheres, que passavam a vida aguardando o retorno dos maridos), e a luta da mulher artista, que perdura até hoje. Ela mesma precisou se dedicar aos 6 filhos enquanto trabalhava incansavelmente para publicar seus escritos, já que o marido, Manuel Murguia, vivia constantemente em viagens a trabalho. 

 

Essas temáticas, da valorização das regionalidades e do feminismo, ainda ressoam e mostram que Rosalía de Castro é uma figura que continua atual  e merece ter a leitura de suas obras incentivada. Também o conhecimento da literatura em galego deve ser incentivado, dadas as suas estreitas relações com a lusofonia e as possibilidades de intercâmbio cultural que essa proximidade linguística oferece.

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ROSALIA DE CASTRO

A GALIZA E O RESSURGIMENTO

 

Situada a noroeste do território espanhol e ao norte de Portugal, a Galiza, como outras comunidades autônomas da Espanha, é uma região que apresenta características geográficas, raciais, linguísticas e culturais próprias. No que se refere à literatura, a Galiza passou por um período de apogeu na Idade Média com a lírica trovadoresca em língua galego-portuguesa.  

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A partir do século XIV, no entanto, o galego começou a passar por um retrocesso enquanto língua literária. Isto se deu devido ao contexto de dominação castelhana. Durante séculos o galego ficaria limitado à oralidade, sendo considerada uma língua rural e campesina e que se encontrava sem cultivo literário e submetida a uma grande diglossia, enquanto outras línguas vernáculas, como o português e o castelhano, continuavam sua evolução literária na modalidade escrita. Na Galiza se chocavam a língua castelhana, urbana e favorecida pela burguesia, e a língua galega. 

 

Denomina-se Ressurgimento (em galego Rexurdimento e em castelhano, Resurgimiento) a etapa cultural da história da Galiza que se desenvolveu ao longo do século XIX e que teve como característica principal a revitalização da língua galega como veículo de expressão social e cultural após o período de ostracismo, conhecido como séculos escuros. Trata-se de um período simultâneo e similar ao da Renascença Catalã. Reavivou-se o espírito regional e a identidade subjetiva das regiões espanholas e o galego voltou a ter expressão literária escrita, pelo menos no campo da poesia lírica. Aparece uma consciência nacional e se reivindica o idioma galego como distintivo da personalidade da Galiza. Convencionalmente, se estima que a publicação do primeiro livro de Rosalía de Castro, Cantares Gallegos, en 1863, seja o ponto de partida do Ressurgimento.

 

RELAÇÃO COM O BRASIL E A LUSOFONIA

 

Segundo Érica Sarmiento, terceira nacionalidade a chegar ao Rio depois de portugueses e italianos, 80% dos espanhóis eram de origem galega. Números de outros estados como Bahia, Pará, Pernambuco e São Paulo, relativos ao início do século XX, indicam porcentagens similares de galegos entre os imigrantes espanhóis, variando entre 70 e 96%.  

 

É essencial ressaltar a proximidade do galego com o português mesmo atualmente. As duas foram separadas muito mais por razões políticas e separatistas do que linguísticas. Apesar de a normatização da língua galega (criada apenas após a redemocratização da Espanha) tê-la aproximado da grafia do castelhano, há um forte movimento em direção à lusofonia entre intelectuais galegos.

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CEDULA QUINHENTAS PESETAS
ESCULTURA ROSALIA DE CASTRO

Várias entidades culturais da Galiza, como a Academia Galega de Língua Portuguesa, tem fortes relações com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e buscam inclusive a integração da Galiza ao órgão. A AGLP chegou a elaborar uma seleção de vocábulos galegos para ser integrados no Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa, com o propósito de futuramente serem integrados nos Dicionários da língua da Lusofonia. A palavra "saudade", por exemplo, conhecida por existir somente em português, na verdade é de origem galega e representa muito o sentimento melancólico deste povo. Além desta, muitas outras, além de expressões e cantigas presentes no Brasil têm sua origem ali. 

 

Há uma grande abertura subexplorada de intercâmbio cultural e linguístico entre o português e o galego, e buscamos nos mover na direção desta troca e da apresentação da semelhança entre estes dois idiomas através do projeto.

 

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FEMINISMO

Segundo María Xosé Agra Romero “há que se contemplá-la como o reconhecimento de uma dívida com ela, ao mesmo tempo que devolvendo a ela sua originalidade e universalidade, desmistificando  contra a manipulação a que foi submetida por ser mulher e escrever em galego, trazendo à luz o machismo na literatura”. 


“Quando os senhores da terra me ameaçam com uma mirada, ou querem marcar meu rosto com uma mancha de opróbio, eu rio como eles riem e faço, em aparência, minha iniquidade é maior que a sua iniquidade. No fundo, não obstante, meu coração é bom, porém não acato os mandos dos meus iguais e creio que seu feito é igual ao meu feito, e que sua carne é igual à minha carne. (...) Sou livre. Nada pode conter a marcha de meus pensamentos, e eles são a lei que rege meu destino.”

Rosalía escreveu estas palavras em “Lieders”, texto publicado no “Álbum de Miño de Vigo”, em 1858. Tinha 21 anos e seu discurso precoce, crítico e feminista já veio plasmado nesta grande declaração de intenções. Foi pioneira, portanto, do feminismo literário em Espanha e Portugal.


“O patrimônio da mulher são as correntes da escravidão”, analisava no mesmo texto. O certo é que a preocupação constante com a condição feminina impregnou sua obra. Como defende María Pilar García Negro em seu artigo “Uma Feminista na Sombra”, “devolver a verdade de sua produção, sua radicalidade e sua transgressão como livre pensadora e poeta. Ela representa, em suma, o início da modernidade galega”.

SELO ROSALIA DE CASTRO
ESCULTURA ROSALIA DE CASTRO
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Um dos textos mais claros a este respeito é o prólogo de “La Hija del Mar”, novela na qual Rosalía faz uma corajosa e tenaz reivindicação da condição feminina. Ela se mostra tão mordaz quanto irônica, e explica que, “uma vez que se reconheceu que a mulher também tem alma, talvez sejam necessários mais alguns anos para admitir que o sexo feminino seja suficientemente capaz de escrever livros, pois, ainda não é permitido às mulheres escrever o que sentem e o que sabem”. Sua obra é um grito que clama por justiça às mulheres.

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